“Ensino a / à distância” Pasquale Cipro Neto
Há tempos devo a vários leitores uma explicação sobre o emprego (ou não) do acento indicador de crase na expressão “ensino a/ à distância” (e em outras correlatas). É interessante ver o que ocorre nesses casos. Enquanto alguns leitores simplesmente perguntam, outros criticam o que se fez no texto X ou no texto Y (em que ora há acento, ora não há, ou seja, há os que afirmam categoricamente que o “a” deve ser acentuado e há os que afirmam (também peremptoriamente) que o “a” não deve receber o acento.
Devagar com o andor, caro leitor. O que há em “ensino a/à distância” é uma expressão adverbial formada com substantivo feminino, tal qual “à vontade” (em “ficar à vontade”, por exemplo), “às claras” (em “falar às claras”), “à farta” (em “comer à farta”), “à risca” (em “seguir à risca”), ou “à solta” (em “estar à solta”).
Nesses casos, as explicações para o emprego do acento indicador de crase variam. Há quem se apoie no fato de que nas expressões adverbiais masculinas ocorre “ao” ou “aos”, como se vê em “ao acaso” (em “caminhar ao acaso”, por exemplo), “ao léu” (em deixar ao léu”) ou “aos trancos e barrancos” (em “fazer tudo aos trancos e barrancos”).
Pois bem, se ocorre “ao” (ou “aos”) nas expressões adverbiais masculinas, antes das femininas ocorrerá “a” ou “as”, dizem os que se apoiam nesse fato. Aí vêm os advogados do diabo e dizem que, em “a esmo”, por exemplo, não se usa “ao” (ninguém caminha “ao” esmo), o que também ocorre em “a salvo” (ninguém está “ao salvo”). Isso seria argumento suficiente para provar que nem sempre há contração (“a” + “a” ou “a”+ “o”) na introdução das locuções adverbiais (femininas ou masculinas).
Diz-se também que, quando não se especifica a distância, não ocorre artigo, o que justificaria a opção por “Fiquei a distância” ou “Observo tudo a distância”, por exemplo.
Eis que entra em ação o fato mais importante de toda essa história: o uso (o uso registrado no padrão escrito formal culto, no caso). Basta uma mínima olhadela num bom guia de uso ou num bom manual para que se veja que não faltam exemplos de “a distância” e de “à distância”, “ficar a/à distância” etc.
Alguns autores chegam a afirmar (corretamente) que, quando existe risco de ambigüidade, o acento grave se torna obrigatório. O “Houaiss” dá este exemplo: “A sentinela vigia à distância”. Nesse caso, a falta do acento realmente tornaria ambígua a construção (“vigia de longe” ou “vigia aquela medida ou trecho”?).
Vamos deixar claro, pois: o acento indicador de crase (acento grave) é opcional na expressão adverbial feminina “ a/à distância”, como atestam os diversos exemplos clássicos e modernos e as abonações de gramáticas, guias de uso, manuais e dicionários (“Houaiss”, Aurélio”etc. ).
Não se confunda “a/à distância” com “à distância de”. Nesse caso há unanimidade no uso do acento grave: “Via-a sempre à distância de uma estrela” (o exemplo é de “ O Amanuense Belmiro”, é de Ciro dos Anjos, citado por Domingos P. Cegalla). Nesses casos, cai-se no que é padrão, ou seja, no uso do acento grave nas locuções adverbiais femininas introduzidas por locuções prepositivas femininas (“Estamos à beira de um ataque de nervos”, e à espera de boas notícias”, esse poeta estava à frente do seu tempo” etc.) É isso.
Fonte: Artigo publicado na FOLHA de S. PAULO - 24/9/2009
Há tempos devo a vários leitores uma explicação sobre o emprego (ou não) do acento indicador de crase na expressão “ensino a/ à distância” (e em outras correlatas). É interessante ver o que ocorre nesses casos. Enquanto alguns leitores simplesmente perguntam, outros criticam o que se fez no texto X ou no texto Y (em que ora há acento, ora não há, ou seja, há os que afirmam categoricamente que o “a” deve ser acentuado e há os que afirmam (também peremptoriamente) que o “a” não deve receber o acento.
Devagar com o andor, caro leitor. O que há em “ensino a/à distância” é uma expressão adverbial formada com substantivo feminino, tal qual “à vontade” (em “ficar à vontade”, por exemplo), “às claras” (em “falar às claras”), “à farta” (em “comer à farta”), “à risca” (em “seguir à risca”), ou “à solta” (em “estar à solta”).
Nesses casos, as explicações para o emprego do acento indicador de crase variam. Há quem se apoie no fato de que nas expressões adverbiais masculinas ocorre “ao” ou “aos”, como se vê em “ao acaso” (em “caminhar ao acaso”, por exemplo), “ao léu” (em deixar ao léu”) ou “aos trancos e barrancos” (em “fazer tudo aos trancos e barrancos”).
Pois bem, se ocorre “ao” (ou “aos”) nas expressões adverbiais masculinas, antes das femininas ocorrerá “a” ou “as”, dizem os que se apoiam nesse fato. Aí vêm os advogados do diabo e dizem que, em “a esmo”, por exemplo, não se usa “ao” (ninguém caminha “ao” esmo), o que também ocorre em “a salvo” (ninguém está “ao salvo”). Isso seria argumento suficiente para provar que nem sempre há contração (“a” + “a” ou “a”+ “o”) na introdução das locuções adverbiais (femininas ou masculinas).
Diz-se também que, quando não se especifica a distância, não ocorre artigo, o que justificaria a opção por “Fiquei a distância” ou “Observo tudo a distância”, por exemplo.
Eis que entra em ação o fato mais importante de toda essa história: o uso (o uso registrado no padrão escrito formal culto, no caso). Basta uma mínima olhadela num bom guia de uso ou num bom manual para que se veja que não faltam exemplos de “a distância” e de “à distância”, “ficar a/à distância” etc.
Alguns autores chegam a afirmar (corretamente) que, quando existe risco de ambigüidade, o acento grave se torna obrigatório. O “Houaiss” dá este exemplo: “A sentinela vigia à distância”. Nesse caso, a falta do acento realmente tornaria ambígua a construção (“vigia de longe” ou “vigia aquela medida ou trecho”?).
Vamos deixar claro, pois: o acento indicador de crase (acento grave) é opcional na expressão adverbial feminina “ a/à distância”, como atestam os diversos exemplos clássicos e modernos e as abonações de gramáticas, guias de uso, manuais e dicionários (“Houaiss”, Aurélio”etc. ).
Não se confunda “a/à distância” com “à distância de”. Nesse caso há unanimidade no uso do acento grave: “Via-a sempre à distância de uma estrela” (o exemplo é de “ O Amanuense Belmiro”, é de Ciro dos Anjos, citado por Domingos P. Cegalla). Nesses casos, cai-se no que é padrão, ou seja, no uso do acento grave nas locuções adverbiais femininas introduzidas por locuções prepositivas femininas (“Estamos à beira de um ataque de nervos”, e à espera de boas notícias”, esse poeta estava à frente do seu tempo” etc.) É isso.
Fonte: Artigo publicado na FOLHA de S. PAULO - 24/9/2009
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